Contra o desemprego, a exploração
e a precariedade

Uma batalha<br>de todos os dias

Paulo Raimundo

Se fazes falta todos os dias por que razão o teu con­trato é pre­cário?
Este é um dos motes da se­gunda fase da cam­panha «Mais Di­reitos, Mais Fu­turo. Não à pre­ca­ri­e­dade» le­vada a cabo pelo PCP.

É ne­ces­sário con­ti­nuar e in­ten­si­ficar a luta para que tra­ba­lha­dores que estão em si­tu­ação de con­trato pre­cário passem à con­dição de con­trato per­ma­nente

A res­posta a esta per­gunta, sendo sim­ples, está trans­for­mada num di­lema para mi­lhares de tra­ba­lha­dores. Do que fa­lamos quando tra­tamos o fla­gelo do pre­ca­ri­e­dade? Fa­lamos ne­ces­sa­ri­a­mente dos vín­culos la­bo­rais, mas essa é talvez a mais vi­sível con­sequência mas nem por isso a mais dra­má­tica.

A pre­ca­ri­e­dade dos vín­culos é a pre­ca­ri­e­dade do sa­lário, dos di­reitos, é a pre­ca­ri­e­dade da vida.

Cal­cula-se que cerca de um mi­lhão e du­zentos mil tra­ba­lha­dores tra­ba­lham em si­tu­ação pre­cária o que sig­ni­fica que todos os que o ro­deiam, suas fa­mí­lias e os que lhes estão mais pró­ximos cons­ti­tuem o enorme exér­cito de vidas sus­pensas, in­ter­mi­tentes em per­ma­nente in­se­gu­rança e in­cer­teza sobre o dia se­guinte.

Mi­lhares de tra­ba­lha­dores nesta si­tu­ação, qual o sig­ni­fi­cado na vida de cada um, quais as con­sequên­cias so­ciais e eco­nó­micas para um País em que um terço da sua força de tra­balho tem re­la­ções la­bo­rais pre­cá­rias, au­fere baixos sa­lá­rios, tem ho­rá­rios pro­fun­da­mente des­re­gu­lados e na mai­oria das vezes não vê os seus di­reitos res­pei­tados?

Um País nestas cir­cuns­tân­cias é um País que todos os dias põe em causa o seu pre­sente e com­pro­mete o seu fu­turo.

A pre­ca­ri­e­dade la­boral é um fla­gelo e um drama so­cial e eco­nó­mico ao qual o Es­tado tem a obri­gação e a ur­gência de dar com­bate.

A quem serve a pre­ca­ri­e­dade la­boral?

A pre­ca­ri­e­dade la­boral ser­virá aos mais de du­zentos mil falsos pres­ta­dores de ser­viços e falsos re­cibos verdes, tra­ba­lha­dores que cum­prem um ho­rário de­ter­mi­nado, res­pondem pe­rante uma chefia e exe­cutam todos os dias ta­refas no mesmo local de tra­balho?

Ser­virá a pre­ca­ri­e­dade la­boral aos cerca de oi­tenta mil tra­ba­lha­dores tem­po­rá­rios que passam em muitos casos anos con­se­cu­tivos a de­sem­pe­nhar a mesma ta­refa e no mesmo local de tra­balho, sem nunca terem vín­culo à em­presa para a qual re­al­mente tra­ba­lham e vão sis­te­ma­ti­ca­mente ro­dando entre em­presas de tra­balho tem­po­rário que lhes ficam com uma parte sig­ni­fi­ca­tiva do valor do seu tra­balho?

Ser­virá a pre­ca­ri­e­dade aos 66 por cento dos jo­vens tra­ba­lha­dores me­nores de 25 anos que estão nesta si­tu­ação la­boral ou ao grupo etário com 45 e mais anos onde a per­cen­tagem tem vindo a au­mentar atin­gindo hoje já perto dos 13 por cento?

Ser­virá a ac­tual si­tu­ação aos cerca de 800 mil tra­ba­lha­dores com con­tratos a prazo, que no fun­da­mental de­sem­pe­nham ta­refas que todos os dias fazem falta e cujas ne­ces­si­dades se mantêm de forma per­ma­nente?

Ser­virá a pre­ca­ri­e­dade aos tra­ba­lha­dores a tempo par­cial que re­pre­sentam já hoje 53 por cento do total dos vín­culos pre­cá­rios exis­tentes e onde muitas das vezes a única coisa que é par­cial é o sa­lário que ga­nham?

Ser­virá a ac­tual si­tu­ação aos mais de cem mil tra­ba­lha­dores que através dos con­tratos de in­serção, es­tá­gios, falsas bolsas e ou­tros ex­pe­di­entes ocupam na sua larga mai­oria dos casos ne­ces­si­dades per­ma­nentes na ad­mi­nis­tração pú­blica e na cha­mada eco­nomia so­cial?

É evi­dente que não.

Então se a pre­ca­ri­e­dade não serve aos tra­ba­lha­dores nem ao País, a quem serve?

Serve aos poucos que se ali­mentam da ex­plo­ração, in­se­gu­rança e ins­ta­bi­li­dade de muitos. Dessa forma serve que nem uma luva aos que pagam aos tra­ba­lha­dores com vín­culos não per­ma­nentes menos 30 a 40 por cento do que aos tra­ba­lha­dores com vín­culo efec­tivo.

Serve aos poucos que se ali­mentam da chan­tagem e do cu­telo do de­sem­prego como forma de pressão cons­tante sobre os di­reitos, sa­bendo que os tra­ba­lha­dores com vín­culo pre­cário são os que têm maior risco de de­sem­prego, sendo a não re­no­vação dos con­tratos a pri­meira causa re­gis­tada de de­sem­prego.

Serve aos poucos que en­ri­quecem à custa da po­breza de muitos, sa­bendo que quanto maior for a pre­ca­ri­e­dade la­boral maior é o risco de po­breza mesmo para aqueles que tra­ba­lhando todos os dias não con­se­guem obter ren­di­mento su­fi­ci­ente para saírem dessa si­tu­ação, que em 2014 afec­tava 13,3 por cento dos tra­ba­lha­dores em si­tu­ação de pre­ca­ri­e­dade.

Serve aos poucos que en­con­tram todos os ex­pe­di­entes pos­sí­veis para jus­ti­ficar o re­curso a con­tratos não per­ma­nentes, como se as ne­ces­si­dades assim o exi­gissem, tal como se ve­ri­ficou em No­vembro de 2016, em que 87 por cento das ofertas re­gis­tadas (sendo que entre as ofertas com origem em em­presas de tra­balho tem­po­rário a per­cen­tagem subia para os 99 por cento) se des­ti­navam a con­tratos de tra­balho a termo.

Serve aos poucos que fo­mentam a di­visão entre os tra­ba­lha­dores, pro­cu­rando ca­ta­logá-los entre pre­cá­rios e não pre­cá­rios de forma a ir re­ti­rando di­reitos a uns para de­pois re­tirar di­reitos a ou­tros.

Está tudo li­gado

De­sem­prego, ex­plo­ração, pre­ca­ri­e­dade. Está tudo li­gado.

É pre­ciso, é ur­gente e é pos­sível acabar com este fla­gelo in­di­vi­dual, este drama so­cial, este obs­tá­culo ao de­sen­vol­vi­mento do País.

A um posto de tra­balho per­ma­nente, um con­trato efec­tivo e per­ma­nente de tra­balho.

Por ini­ci­a­tiva e acção do PCP foi pos­sível dar passos, ainda que li­mi­tados, no Or­ça­mento do Es­tado 2017, com vista ao com­bate à pre­ca­ri­e­dade no âm­bito da ad­mi­nis­tração pú­blica. Me­didas que, sendo po­si­tivas, não re­solvem por si só os pro­blemas exis­tentes. É ne­ces­sário con­ti­nuar e in­ten­si­ficar a luta para que tra­ba­lha­dores que estão em si­tu­ação de con­trato pre­cário passem à con­dição de con­trato per­ma­nente.

Os passos dados no âm­bito da ad­mi­nis­tração pú­blica são im­por­tantes e devem cons­ti­tuir exemplo para todos os sec­tores no sen­tido da con­cre­ti­zação de uma po­lí­tica de efec­tivo com­bate à pre­ca­ri­e­dade e de de­fesa dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores, tal como propõe o PCP. Uma po­lí­tica do in­te­resse e ao ser­viços dos tra­ba­lha­dores, op­ções que não se com­pa­decem com ca­mi­nhos de con­tra­par­tidas ao pa­tro­nato, op­ções que rompam com o ca­minho de roubo de di­reitos e que te­nham como ele­mentos cen­trais: a adopção do plano na­ci­onal de com­bate à pre­ca­ri­e­dade la­boral e à con­tra­tação ilegal como uma po­lí­tica de Es­tado, a única de forma de fazer frente a este drama so­cial.

Op­ções de fundo que não dis­pensam, antes exigem a re­vo­gação das normas mais gra­vosas do Có­digo do Tra­balho; re­po­sição da não ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva e do tra­ta­mento mais fa­vo­rável; fim da uti­li­zação dos con­tratos de in­serção, es­tá­gios, falsas bolsas, para o su­pri­mento de ne­ces­si­dades per­ma­nentes; er­ra­di­cação dos «falsos re­cibos verdes», assim como as ne­ces­sá­rias al­te­ra­ções fis­cais para tra­ba­lha­dores in­de­pen­dentes; com­bate ao tra­balho não de­cla­rado, con­tra­tação ilegal e trá­fico de mão-de-obra; fim do uso ilegal e abu­sivo dos con­tratos a prazo e tempo par­cial; re­forço dos meios e ca­pa­ci­dade in­ter­ven­tiva da au­to­ri­dade para as con­di­ções de tra­balho e o com­bate de­ci­sivo à chaga do tra­balho tem­po­rário.

Esta é uma ba­talha que todos os dias está a ser tra­vada nas em­presas e lo­cais de tra­balho, uma ba­talha onde de um lado estão uns poucos que com todos os seus meios e ins­tru­mentos são os que ga­nham com a ex­plo­ração, o de­sem­prego e pre­ca­ri­e­dade; do outro lado estão os tra­ba­lha­dores, o seu Par­tido – o PCP – e o mo­vi­mento sin­dical de classe e acima de tudo a sua força imensa que or­ga­ni­zada con­segue todos os dias fazer frente a este drama so­cial com vi­tó­rias que muitas vezes sendo pon­tuais são de uma enorme im­por­tância.

É nas mãos dos tra­ba­lha­dores, na sua uni­dade, or­ga­ni­zação e luta que re­side o único ca­minho para levar por di­ante «Mais di­reitos, Mais Fu­turo. Não à pre­ca­ri­e­dade» e para que a um posto de tra­balho per­ma­nente cor­res­ponda um vín­culo efec­tivo.

 



Mais artigos de: Temas

Investimento estrangeiro<br>e crescimento económico

Para o pen­sa­mento ne­o­li­beral que hoje do­mina o mundo ca­pi­ta­lista, a livre cir­cu­lação de ca­pi­tais a nível in­ter­na­ci­onal cons­titui uma bênção para os países menos de­sen­vol­vidos, dado o afluxo de in­ves­ti­mento que essa livre cir­cu­lação de ca­pi­tais trans­porta para estes países. Fica assim col­ma­tada para os ne­o­li­be­rais a per­ma­nente es­cassez de ca­pi­tais do­més­ticos nos países menos de­sen­vol­vidos.

Congresso de Todos<br>os Sindicatos

O Con­gresso de Todos os Sin­di­catos, re­a­li­zado nos dias 27, 28, 29 e 30 de Ja­neiro de 1977, no Pa­vi­lhão dos Des­portos, em Lisboa, sob o lema: Pela uni­dade dos tra­ba­lha­dores – Pela Re­es­tru­tu­ração Sin­dical, cons­ti­tuiu um grande acon­te­ci­mento no mundo do tra­balho e um im­por­tante su­cesso na luta da classe ope­rária e de todos os tra­ba­lha­dores por­tu­gueses. Dele re­sultou o for­ta­le­ci­mento da Uni­dade na Acção e o alar­ga­mento e con­so­li­dação do mo­vi­mento sin­dical.